CASO CLÍNICO – Uso da associação de sulfato de glicosamina e condroitina

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Mulher, 48 anos de idade, professora, com dor nos joelhos e discreta rigidez noturna nos dedos das mãos por seis meses. Os sintomas melhoravam ao acordar pela manhã, embora a sensação de inchaço nos dedos permanecesse por cerca de quinze minutos. Após dois meses, a dor tornou-se mais contínua e difusa, sobretudo ao movimentar-se e a paciente começou a sentir fraqueza nas mãos e dificuldade para segurar livros pesados, abrir latas e garrafas.

Com a evolução do processo, houve perda gradual da estabilidade articular e dor mais intensa associada à limitação funcional das articulações envolvidas. Não apresentava febre, perda de peso e queixas sistêmicas. Mas mencionava história familiar importante para úlceras, doenças cardíacas e reumatismos. Sua mãe e avó tinham deformidades como “caroços” nas mãos, de modo que questões estéticas a preocupavam. Seu exame físico geral era normal, exceto por revelar hipermobilidade de patelas.

Exames complementares mostraram hemograma normal; sorologias virais, FAN e fator reumatoide negativos; complemento e urina I normais. O exame de raio-X simples dos joelhos mostrava redução dos espações articulares. Neste contexto, foram excluídas outras possibilidades, como artrite reumatoide e doenças difusas do tecido conjuntivo e confirmamos o diagnóstico de osteoartrite. A paciente estava na menopausa há quatro meses, hígida e não apresentava comorbidades, embora sua densitometria óssea já revelasse osteopenia. Iniciamos tratamento com analgésicos (paracetamol), que gerou certo alívio de seus sintomas, embora agora apresentasse discreto rubor sobre as IFDs, alguma dificuldade para escrever na lousa e descer escadas.

Como não queria fazer uso de antiinflamatórios (AINEs) e levando em consideração o histórico familiar para deformidades nas mãos, iniciamos terapia com três cápsulas em tomada única diária da associação de sulfato de glicosamina e condroitina, além de condutas gerais para proteção articular. Ressaltamos a importância de evitar atividades que pudessem gerar sobrecarga articular, alto impacto e traumas, assim como os benefícios da prática de exercícios, do fortalecimento muscular e da perda de peso corporal para evitar sobrecarga nos joelhos, já que ela tinha uma propensão maior a desenvolver a doença também nessas articulações.

A paciente ingressou num programa rotineiro de dieta e atividade física e passou a fazer uso de órtese de alívio em mãos para exercer atividades da vida diária, como abrir objetos e segurar panelas pesadas. Com ótima adesão a essas medidas, foi possível perder peso, ganhar tônus muscular e resistência das estruturas articulares e periarticulares, melhorando sua estabilidade articular, reduzindo a dor e mantendo a amplitude dos movimentos, a força e o desempenho adequado das suas atividades cotidianas.

Houve redução gradual da necessidade de analgesia diária. Após três meses, mantinha discreto alargamento articular nos dedos das mãos, porém sem sinais inflamatórios, derrame articular, comprometimento musculotendíneo, nem dor ou redução da amplitude dos movimentos. Já não apresentava rigidez matinal. Atualmente, a paciente não utiliza mais analgésicos e mantém uso diário da associação de sulfato de glicosamina e condroitina.

COMENTÁRIOS

O caso ilustra uma paciente com osteoartrite inicial e forte componente genético, que se beneficiou da associação de sulfato de glicosamina e condroitina aliado a medidas simples, como proteção articular, exercícios apropriados e órteses, que foram bastante eficientes. Foi possível a retirada de analgésico convencional e melhora geral de qualidade de vida.

Como sabemos, a osteoartrite é uma patologia progressiva das articulações sinoviais com reparo defeituoso do dano articular, resultante de estresses que podem ser iniciados por uma alteração em qualquer dos tecidos da articulação sinovial. Acomete cerca de 3,5% da população geral e quase 10% dos indivíduos acima dos 60 anos, sendo um grave problema de saúde pública, que poderá comprometer de forma importante a qualidade de vida de mais pessoas.

No Brasil, as doenças osteoarticulares ocupam o terceiro lugar dentre as causas de incapacidade laborativa (10,6%), atrás das doenças mentais e cardiovasculares, e a osteoartrite corresponde a 7,8% dos casos. Assim, a elucidação dos mecanismos fisiopatológicos e o desenvolvimento de medicamentos e procedimentos capazes de mudar a história natural da doença e bloquear a sua progressão são imperativos. Inovações terapêuticas e fármacos de ação específica sobre a cartilagem, como a associação de sulfato de glicosamina e condroitina, têm surgido. Aliados às orientações educativas e à utilização de medidas físicas, melhoram a distribuição anormal das cargas mecânicas que atuam sobre a articulação.

A osteoartrite afeta ambos os sexos na mesma proporção até os 40 anos, mas, na década seguinte, mulheres têm maior incidência de osteoartrite das mãos, nos quadris e nos joelhos. Esta tendência é marcante após os 50 anos, sobretudo na pós-menopausa e com comorbidades metabólicas ósseas como a osteoporose, embora a real relação da deficiência estrogênica com a osteoartrite não esteja estabelecida. Interessante notar que nossa paciente também estava na menopausa e apresentava osteopenia aos 48 anos de idade. A incidência da osteoartrite tende a se estabilizar após os 70 anos nos homens e 80 anos nas mulheres.

Na mulher, é mais frequente a forma generalizada idiopática, com o envolvimento das mãos, como é o caso da nossa paciente, lembrando que a incidência de osteoartrite das mãos varia de 2 a 4% ao ano, dependendo da idade da população estudada. Vale ressaltar, que alguns tipos de osteoartrite estão fortemente associadas à transmissão genética, tais como a forma generalizada e a forma nodal das mãos. A prevalência dos nódulos de Heberden é duas vezes mais frequente em mães e três vezes em irmãs de mulheres que apresentam essa manifestação clínica, quando comparadas a mulheres sem antecedentes familiares.

Não se sabe porque a prevalência e incidência da osteoartrite aumentam com a idade. Fatores que aumentam o estresse mecânico e os que propiciam uma cartilagem anormal podem desencadear e piorar a osteoartrite. A cartilagem fica mais suscetível à fadiga à medida em que envelhece, devido a alterações bioquímicas no seu colágeno e aos proteoglicanos.

Atividades que demandem determinadas posturas e carga excessiva sobre alguma articulação podem desencadear ou agravar a osteoartrite, pois a integridade da cartilagem depende de um constante ciclo de compressão e descompressão articular. No entanto, se essa compressão é extrema ou muito prolongada, o processo pode ser acelerado, como acontece em joelhos de pessoas cujo trabalho exige agachamento prolongado, como trabalhadores rurais.

Já a osteoartrite das mãos, como na nossa paciente, que é professora, é de fato mais frequente em trabalhadores manuais, como costureiras, alfaiates, profissionais da indústria têxtil (fiandeiros e catadores de algodão) e braçais. O envolvimento das mãos é mais frequente nas mulheres e tem forte influência genética, estando associada à forma generalizada da osteoartrite em cerca de 85% dos casos.

A abordagem terapêutica da nossa paciente foi individualizada conforme suas articulações mais acometidas e necessidades diárias. Tivemos como objetivos principais o alívio dos seus sintomas, a recuperação e manutenção da sua função e o retardo da evolução da doença para prevenir deformidades. Inicialmente, identificamos os fatores de risco presentes na sua vida, como atividades que provocavam sobrecarga articular, trauma prévio, deformidades congênitas e/ou adquiridas, obesidade, instabilidade articular e hipotrofia dos músculos relacionados às articulações comprometidas. Em seguida, orientamos a paciente quanto à natureza da doença e sua evolução, destacando a importância das medidas de proteção articular, seja evitando posturas inadequadas ou utilizando órteses. Foram ressaltadas medidas que minimizem fatores de risco como: perda de peso, tipo de atividade física ideal, programas de fortalecimento muscular etc.

O controle de peso foi extremamente importante diante das fortes evidências de que o sobrepeso pode desencadear ou piorar a osteoartrite de joelhos. Paralelamente, introduzimos paracetamol como o analgésico inicial, conforme recomendado pelo American College of Rheumatology e pela Liga Europeia contra o Reumatismo, com base na sua eficácia, tolerabilidade e custo. A paciente chegou a usar a dose máxima recomendada de até 3 g/dia.9 A inflamação na osteoartrite justifica o uso de anti-inflamatórios não hormonais, e o American College of Rheumatology estabelece seu uso como opção nos casos com baixa resposta ao paracetamol e como indicação inicial em casos com manifestações graves e moderadas.

Como nossa paciente se recusou a usar AINEs pelo risco de desenvolver eventos GI e CV, presentes na sua família, o uso precoce da associação de sulfato de glicosamina e condroitina tornou desnecessária a utilização desses medicamentos e de outros analgésicos mais potentes, como a codeína e o tramadol. De fato, fármacos sintomáticos de ação lenta na osteoartrite apresentam- -se como alternativa ao uso isolado de analgésicos e AINEs, podendo exercer um efeito poupador sobre estes ou até substituir o seu uso. Nesta paciente, optamos por usar a associação de sulfato de glicosamina e condroitina.

Baseado em ampla revisão da literatura, esse consenso sugere drogas sintomáticas de ação lenta na osteoartrite, como o sulfato de glicosamina e/ou condroitina, para uso inicial, junto com o paracetamol, até 3 g/dia, antes mesmo do uso de AINES, diante da eficácia semelhante com melhor perfil de segurança. Eles enfatizam a recomendação de sulfato de glicosamina e/ou condroitina com qualidade de prescrição, isto é, fármacos, em vez de suplementos de livre consumo. Não existe uma duração estipulada para uso de medicamentos, uma vez que a osteoartrite é uma doença de evolução crônica e sua manutenção baseia-se na resposta sintomática e radiográfica e na eficácia das medidas não medicamentosas. A paciente apresentada mantém a associação de sulfato de glicosamina e condroitina, e condutas para proteção articular com resultados favoráveis e ótimo perfil de segurança, sem eventos adversos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A osteoartrite é a doença reumática mais comum, sendo um problema importante de saúde pública. Ela decorre da insuficiência da cartilagem articular submetida à sobrecarga e/ou por deficiências intrínsecas da cartilagem e seus constituintes. A dissociação clínico-radiográfica torna necessária a presença da dor, além das alterações radiográficas típicas de redução do espaço articular, esclerose óssea subcondral e osteófitos, para o diagnóstico de OA. O tratamento requer a combinação de intervenções no estilo de vida, modalidades não farmacológicas e farmacológicas. A terapia sintomática inclui analgésicos, anti-inflamatórios não hormonais e miorrelaxantes. A terapia de ação lenta abrange glicosamina, condroitina, diacereína, extratos insaponificados de soja e abacate, hidroxiprolina, ácido hialurônico (intra-articular), cloroquina. A associação de sulfato de glicosamina e condroitina constitui um tratamento interessante; age no controle dos sintomas, podendo ter propriedades modificadoras do curso da OA.

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